XXY
O filme XXY, nos apresenta um
caso de hermafroditismo, ainda que não seja claro o tipo. Alex, nasce geneticamente como do sexo feminino (cromossomos XX) embora apresente o órgão sexual masculino. Ao logo do seu crescimento passa a tomar
corticoides para evitar o aparecimento de características secundárias
masculinas, como barba.
Na maioria dos casos de
hermafroditismo, ainda quando criança, os pais optam pela permanência de um dos
sexos, sendo, portanto, realizadas cirurgias corretivas afim de obter um ideal de corpo. No caso de Alex,
essa escolha dos pais, ainda na infância, não ocorre, pois acreditam que
somente Alex poderia vir a escolher o que quer ser.
O hermafroditismo nos
remete várias questões importantes, das quais pretendo pontuar algumas, para
que possamos minimamente refleti-las, sem que para isso seja necessárias
respostas prontas e acabadas, visto que se trata de um fenômeno pouco comum e
que nos permite diversas interrogações.
Para a psicanálise, pensar o sujeito como homem ou mulher é pensar uma diferenciação no real do corpo, a partir das características sexuais anatômicas, carregada de valores atribuídos pela cultura, que se vinculam apenas nos aspectos biológicos.
Em geral, o senso comum assevera que a identidade sexual, advinda das características sexuais anatômicas, e a sua posição de gênero deverão coincidir sempre, ou seja, que a anatomia seria algo definidor no destino das identidades sexuais. No entanto, para psicanálise, o conceito de masculinidade e feminilidade vai além do que é atribuído pela ciência de fenótipo e genótipo, ou seja, ultrapassa ao que é fisicamente percebido, uma vez que a sexualidade, para Freud (1905), não se limita à função dos órgãos genitais.
No caso de Alex fica algumas interrogações: seria uma mulher com o corpo de um homem, ou um homem com o corpo de mulher? uma mulher com corpo de homem que deseja homens ou um homem com corpo de mulher que deseja mulheres? ou ainda, uma mulher com corpo de homem que deseja mulheres ou um homem com corpo de mulher que deseja homens?
Parece confuso, não?! São diversas as combinações possíveis, como sugere Maria Rita Kehl, no seu livro Deslocamentos do feminino: “podemos falar em homens-homossexuais-femininos, ou em mulheres masculinas, porém heterossexuais, dentre outras."
No entanto, o que me parece mais confuso, no caso de Alex, é a falta de definição primeiramente anatômica, daquilo que gostaria de ser, e que acredito gerar conflitos no que diz respeito a sua identidade sexual. No decorrer do filme, Alex, opta por não mais tomar a medicação que inibe o aflorar das caracteristicas sexuais masculinas, sugerindo, assim, que sua escolha é feita no sentido da permanecia do órgão sexual que já tem, o pênis.
Alex passaria, portanto, a ser definitivamente um homem? Se pensarmos em termos psicanalíticos, sim! Mas o que se deve deixar claro é que apesar da sua escolha, Alex não necessariamente seria um homem masculino, ainda que no senso comum se espere que se a pessoa nasce homem ou mulher ela assuma uma posição masculina ou feminina, respectivamente. Dessa forma cai por terra a ideia do masculino ou do feminino como essência.
Para a psicanálise, é somente ao entendermos o percurso do drama edípico, logo do Complexo de Castração, que seria possível entendermos a posição do sujeito no que diz respeito ao campo da sexualidade, logo, da sua identidade de gênero. Vale ressaltar que se Alex tivesse optado por uma castração no real do corpo, e a permanência dos caracteres sexuais femininos, em nada mudaria a sua posição masculina ou feminina, pois, a castração do qual Freud nos fala caracteriza-se como uma experiência psíquica vivida de forma inconsciente pela criança e que será fundamental na constituição e sexuação do sujeito.
É interessante perceber, que o nome dado pelos pais à criança, sugere uma ambivalência, visto que trata-se de um nome que se encaixaria tanto para um garotinho quanto para uma garotinha. No caso do filme, os pais não reconhecem nem nomeiam a criança como sendo do sexo masculino ou feminino, deixando tal escolha para a própria, o que me parece dificultar bastante uma identificação com umas dessas posições. Alex não sabe se é homem ou mulher, nem se deseja meninos ou meninas. Alex opta por permanecer com o órgão genital masculino, o que não lhe confere, entretanto, uma identificação com o masculino.
É difícil somente com uma análise fílmica, afirmar qualquer coisa. No entanto, me parece que a falta de uma investimento narcísico dos pais ao corpo de Alex, impossibilitou uma identificação com qualquer uma das posições, não conseguindo assim representar seu corpo, logo sua identidade sexual. Segundo Lacan (1957-1958) "o ato de nomear do Outro é uma proibição que permite uma perda a qual destrói uma imagem", possibilitando o contorno do corpo. O que no caso de Alex não ocorre.
Por Suiá Freitas de Queiroz
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