A Onda (2009)






O filme é baseado em um fato real acontecido na Califórnia, em 1967. Um professor, a fim de que seus alunos melhor entendessem o que teria sido o regime nazista e como seria seguir as instruções de um líder, realiza um experimento em sala de aula que explica na prática tal regime. Colocando-se como líder do grupo, dá ao Movimento o nome de "A Onda". No entanto, com o tempo, o Movimento se estende  para além dos muros da sala de aula, propagando violência que foge ao controle do professor. 

"A Onda" nos remete imediatamente a alguns textos freudianos como: Totem e Tabu  (1913), Psicologia de grupo e análise do ego (1921), O futuro de uma ilusão (1927),  O mal-estar na civilização  (1930), dentre outros.  Tais textos abrangem questões relativas aos fenômenos de desenvolvimento cultural, principalmente a construção do laço social.

Os laços sociais só podem ser pensadas a partir da existência de uma ordem, ou seja, de um mecanismo que regule e normatize as relações sociais, uma lei! Freud, no seu texto Totem e Tabu, levanta uma hipótese acerca da origem das civilizações ao apresentar o totemismo como a base da organização social de todas as culturas. A relação de subordinação ao Totem, bem como a existência dos tabus (não matar o animal totêmico e não ter relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto-incesto), permitiu a manutenção de uma ordem civilizatória, visto que seriam estas duas pulsões, agressividade e sexualidade, que se fariam presentes em todas as manifestações sociais, que, portanto, para a civilização existir é preciso a sua repressão, ou seja, uma lei que as proíba, fortalecendo os laços sociais. 

Considerando a organização dos grupos como semelhantes da horda primitiva de Totem e Tabu, o que se percebe, no filme em pauta, é exatamente a organização de um grupo a partir de um líder incontestado (professor) ligados por um ideal comum, que, para Freud, seria esta identificação um dos mecanismos que promove o vinculo social: "o sujeito   se   impõe   como  membro  de   um  coletivo,  sendo  configurado   valendo-se de  suas   regras  e  seus modos de geração subjetiva". 

No entanto, em "A Onda" o que se percebe não é apenas a formação e a participação dos alunos em um grupo, o que é comum a todos ao longo de suas vidas, mas trata-se principalmente da intolerância gerada pela formação de tal grupo que passa a propagar a violência àqueles que não fazem parte. 

Para Freud algumas características são comuns aos membros de um grupo: "a diminuição da capacidade intelectual, ausência de controle das emoções, incapacidade de tolerar frustrações e inclinação a exceder todos os limites na descarga da emoção sob a forma de ato." Ato este, que no filme, se apresenta com demasiada violência àqueles que consideram estranhos. 

No contexto do filme, a lei que deveria ser aquela que nos faz renunciar ao gozo, para nos dar limites, perde sua sustentação, causando um rompimentos das fronteiras que deveriam demarcar os limites das relações, permitindo que cada um aja conforme sua vontade, o que nos grupos acaba por ser potencializado, através de atos impulsivos, prevalecendo a antiga lei : olho por olho, dente por dente!

Por Suiá Freitas de Queiroz


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Habemus Papam
Habemus Papam




Sinopse (antes de mais nada): Após a morte do papa, segue-se o ritual em que os cardeais, isolados em quarentena, escolhem entre eles quem será a nova santidade. Entretanto, cada um parece temer ser o escolhido e ter que carregar o peso de uma autoridade tão responsável. Após a votação, o papa eleito entra em profunda crise existencial e renega o cargo. Um psicanalista é chamado para ajudar. O Vaticano passa por um choque interno jamais imaginado. Essa comédia dramática de Nanni Moretti participou da Mostra Competitiva no Festival de Cannes.

Quis começar a apresentação desse filme pela sua sinopse, o que não é costume eu fazer, pois este servirá muito mais como uma oportunidade de lhes apresentarem, um pouco, da visão da psicanálise em relação a religião e ao seu discurso. No entanto, o filme está, sem dúvida, recomendadíssimo! Tanto pela possibilidade de nos fazer refletir algumas questões ligadas à religião, pelo fato de trazer um psicanalista (foco de nosso interesse) na trama, e por tratar-se de um filme a principio extremamente surreal, mas não impossível.

O nome do filme trata-se do texto que é lido pelo cardeal para anunciar, ao povo, o novo Papa eleito e que este aceitou a eleição. No entanto, no caso do filme o "escolhido" na hora da leitura do Habemus Papam (Temos Papa) foge ao que deveria ser seu "destino" pela vontade divina, recusando o cargo, provocando um verdadeiro caos.
Um psicanalista é então chamado com o intuito de ajudar o Papa eleito na sua dor de existir, do ser só humano, além do peso da responsabilidade do cargo. Assim, numa cena engraçadíssima, na chegada do psicanalista ao Vaticano, no início do "tratamento", tudo aquilo que seria designado como a regra da psicanálise, é impedida. Ao começar pela falta de sigilo e da impossibilidade da fala livre, pois ali, de forma alguma caberia a ética do desejo da psicanálise, afinal qual seria o desejo do novo Papa?

O filme nos apresenta, portanto, uma extrema e fantástica contradição, uma vez que não seria a religião aquela que viria "para acalmar e resolver o clamor do sujeito, sua falta, seu sentimento de vazio, o esburacamento que sente no corpo?"  "O religioso não seria, baseado em sua própria experiência de existir e sedento de respostas sobre esta existência, aquele que envolve-se em um ambiente, onde possa se sentir acolhido, onde tenha um lar, um reino, Um Pai?" (Giovana Guzzo Freire)

Habemus Papam, vem nos mostrar, com a "ajuda" da psicanálise, numa crítica cômica, que a verdade das religiões, carregadas de promessas de libertação e de um saber sobre o sujeito, não se sustenta diante da dor e da angustia de existir e é  nesse ponto que o discurso religioso se distancia do discurso psicanalítico.

"A religião ocupa o lugar de acomodação da angústia ofertando sentido para além da vida humana, explica os enigmas do mundo, garante a compensação das frustrações terrenas numa existência futura, produz respostas generalizáveis. É possível analisar que a religião tampona a angústia da decisão na medida em que esta é conforme a vontade de Deus e já está determinada nos princípios da igreja e na Bíblia. O homem tem na religião a possibilidade de não ter trabalho com seu próprio desejo, uma vez que basta entregá-lo a Deus. Enquanto a psicanálise aponta para um lugar insustentável, difícil de se conviver, se ocupa em abrir espaço para o sujeito fazer sua singularidade." (Gontijo)

O discurso psicanalítico, diferentemente do religioso que é carregados de verdades, direciona o sujeito na construção do saber, do saber do seu gozo, do seu desejo, da sua angustia. A psicanálise convoca o sujeito a fala, possibilitando que este faça uma borda no Real, diante do desamparo de existir, ao contrário da Religião que se apresenta como aquela que tampona o Real, uma vez que esta "oferece ao sujeito proteção contra o desamparo e promete felicidade, dando sentido as coisas através de respostas ilusórias à questões insolúveis, como a morte" (Gontijo).

Na religião, o desejo se acaba e só poderá aparecer como sintoma. No filme, isto nos fica muito claro através do personagem principal, que ao ser eleito ao mais alto cargo eclesiástico, se "descobre" desejante, logo, angustiado, tendo que dá conta do seu mais novo sintoma.

Por Suiá Freitas de Queiroz

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Shame
Shame




Filme fresquinho, recém lançado em alguns cinemas de algumas cidades brasileiras. Não é o caso, meus caros colegas de Fortaleza, da nossa cidade, que com alguns pequenos grandes atrasos uma hora chega!
Antes mesmo de ter a oportunidade de assistir ao filme, havia lido no blog Conteúdo Livre (que eu sigo!), a coluna da semana do Contardo Calligaris, psicanalista que escreve semanalmente para a Folha e do qual gosto muito, a sua visão e crítica sobre tal filme. 
Bom, pra quem se interessar possa, aí vai o que esse psicanalista nos chama a atenção:

"Contardo Calligaris - Sexo e vergonha

Os que consideramos maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente

IMAGINE ALGUÉM que acaba sua noite com um sexo rápido e intenso, em pé, embaixo de uma ponte, e eis que, uma vez em casa, ele entra na internet e transa virtualmente com uma stripper de site on-line.
Não há gozo que lhe baste: sempre sobra a vontade de mais uma vez, mesmo que seja se masturbando com esforço. Outra noite, depois de ter brincado pesado com uma moça num bar, ele se pega com um cara no labirinto de uma boate gay: na procura por mais sexo, vale tudo.
Mas cada rosa tem seus espinhos. O disco rígido do nosso jovem está repleto de pornografia, até no computador do escritório -o que é arriscado. E, sobretudo, ele está aflito: a vergonha o leva a jogar fora (periodicamente) os apetrechos de sua sexualidade fantasiosa, e ele sente culpa de não conseguir ser o irmão, o amigo -e, quem sabe, o namorado- que ele talvez gostasse de ser.
Se esse alguém pedir ajuda a um terapeuta, alguns colegas tirarão da manga o "diagnóstico" de sexo-dependência ("sexual addiction") e proporão o programa em 12 passos (ensinado nas especializações em sexo-dependência), para que o indivíduo aprenda a se controlar e a renunciar, ao menos em parte, ao sexo, que teria se tornado, para ele, uma espécie de droga.
Mesmo sem acreditar nos 12 passos, outros colegas concordarão com o diagnóstico e simpatizarão com o "óbvio" sofrimento do "sexo-dependente" -afinal, eles imaginarão, essa prática endemoniada do sexo "deve", no mínimo, aviltar o indivíduo aos seus próprios olhos.
Outros colegas ainda (e eu com eles), ao receber o pedido de ajuda de um suposto sexo-dependente, reagiriam de maneira diferente: não se preocupariam nem com as fantasias, nem com as práticas sexuais do paciente, mas com a culpa e a vergonha que as acompanham.
Eu também anunciaria ao paciente que não sei (ninguém sabe) disciplinar o desejo sexual; só posso, se ele quiser, tentar disciplinar a culpa e a vergonha que azucrinam sua vida e estragam seus prazeres.
Quem viu "Shame" (vergonha), de Steve McQueen, percebeu que nosso paciente hipotético se parece com o protagonista do filme.
Em cartaz desde sexta passada, "Shame" é, ao mesmo tempo, ousado e careta. Ousado, pelo retrato da procura sexual do protagonista (muitos, sem dúvida, se reconhecerão), e careta, porque essa procura parece ser necessariamente doentia, culpada e vergonhosa.
Concordo com Cássio Starling ("Ilustrada" de 16/3): o filme é ótimo, mas discordo do destaque do artigo, segundo o qual "McQueen foge do moralismo ao abordar a compulsão por sexo". Quem enxerga o desejo sexual do outro como uma patologia é sempre moralista. Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar (conselho: fuja de parceiros que acham você "doente").
McQueen (na mesma "Ilustrada") declarou que o negócio dele é desafiar as pessoas. Ora, apresentar um obcecado por sexo como um doente que sofre de vergonha e culpa, isso não é desafio algum -ao contrário, é a confirmação de um lugar-comum.
Um lugar-comum confirmado por psiquiatria e psicologia? Nem isso.
Certo, desde o século retrasado, a psiquiatria e a psicologia são regularmente chamadas a substituir a religião, que (digamos assim) cansou de ser a grande ordenadora e controladora do comportamento humano. No caso, a ideia da "sexo-dependência" surgiu nos anos 1970 -provavelmente, como reação contra o interesse "excessivo" pelo sexo durante a dita liberação sexual dos anos 1960.
Mas, sentindo talvez o bafo do moralismo, muitos psiquiatras e a psicólogos receberam essa categoria diagnóstica com desconfiança. Quem a adotou e promoveu foram a imprensa e o grande público (e isso bastou para que surgisse uma pequena indústria de clínicas, programas universitários etc.). Mas por quê, então, esse sucesso popular da "sexo-dependência", na qual McQueen parece acreditar?
Apenas uma constatação: a associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social.
Além disso, há a eterna inveja dos reprimidos: como dizia Alfred Kinsey, em regra, os que consideramos doentes e maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente."



@ccalligaris  

Precisamos falar sobre o Kevin
Precisamos falar sobre o Kevin




O filme é baseado no livro, de mesmo nome, da escritora Lionel Shriver, o qual foi inspirado no estudo de diversos casos de assassinatos em massa cometidos por adolescentes em escolas. 
O interessante do filme e que o torna, a cada cena, mais instigante é a forma com que é apresentado, pela personagem principal, a mãe, a sua relação com o filho. Como que num retorno ao passado, Eva nos permite entrar no seu íntimo, revelando, de forma crua e sincera, os seus piores sentimentos sobre o casamento, o drama da maternidade e todo o percurso da sua relação com Kevin, desde a infância até o ocorrido final.
Pra quem curte um filme com cenas fortes, mas que não foge em nada ao que é humano, demasiadamente humano, se me permitem plagiar Nietzsche, essa é a escolha certa!

Para ilustar:  uma das cenas mais incríveis do filme, em que Eva, em um passeio com Kevin, ainda bebê, já não aguentando mais ouvir o choro do filho, pára no meio da rua, em uma construção, e prazerosamente se coloca ao lado de uma britadeira que a impedem de ouvir o filho chorando.  

Voltando...

Ao assistir o filme fiquei pensando sobre aquilo que Freud nos fala sobre a maternidade, como a única saída  da mulher para a verdadeira feminilidade. Na feminilidade,  "a mulher não tem o falo, ela se oferece para ser tomada como falo a partir de um lugar de falta absoluta, do qual só o desejo de um homem pode resgatá-la” (KEHL), que nos escritos de Freud só será definitivamente possível se ligado ao ideal da maternidade, o que leva,  na contemporaneidade, à seguinte reflexão: Caberia ainda pensar a feminilidade pelo viés freudiano da maternidade?  
Com certeza não! Se assim fosse cairíamos na discussão da maternidade como essência, o que não cabe, nos dias de hoje, tal pensamento.
Pra mim, é prioritariamente sobre isso que o filme trata, sobre o tornar-se mãe, ou melhor, sobre o desejo ou a falta dele de tornar-se mãe e suas possíveis consequências.
No caso de Eva, fica muito claro, nas cenas que se apresentam, o seu total desconforto ao tornar-se mãe, muito mais do que o peso real, físico, da gravidez, trata-se, sobretudo, de um peso de identificação, que não se encaixa em Eva. Assim, não adianta livros, manuais, que lhe diga o que é ser mãe, ou melhor, como ser uma boa mãe!
Sabemos, sobre o olhar psicanalítico a importância da relação mãe-filho para a constituição do sujeito, logo das relações que este irá estabelecer com o mundo.  No caso de Kevin, uma relação devastadora e um mundo devastado. 
Para a psicanálise o filho deve ocupar um lugar de objeto fálico, um lugar privilegiado na fantasia dos pais,  um lugar que deve estar relacionado ao desejo, que claramente falta à Eva. 
No caso de Kevin, a falta da ilusão de preencher a mãe, acaba por colocá-lo num "eterno" direcionamento a esta, que no filme se apresente em forma de atos violentos, que evoluem desde a infância até a adolescência, em que comete um crime, matando diversas pessoas na escola, além do pai e da irmã, os grandes amores da mãe.
Segundo, Benhaim, "há elementos do psiquismo que somente a mãe pode trazer: é o que pode ser analisado na questão relativa à psicopatologia da delinqüência. Aquela que vem em socorro do bebê em desamparo é a “mãe simbólica”, a que dá a primeira mamada, o objeto real, o leite: nesse primeiro tempo é que se inscreveria a falha que o ato delinqüente viria a preencher" (...) "Essas passagens ao ato muitas vezes conduzem ao sentimento de ameaça, podendo até mesmo destruir o laço, mas parecem também ser a última tentativa de resolução da angústia ligada a este impossível do laço". 
No caso do filme acredito se tratar muito mais desse impossível de laço, que falta na relação mãe e filho.

E por aí vai...
Assistam!

Por Suiá Freitas de Queiroz


XXY
XXY




O filme XXY, nos apresenta um caso de hermafroditismo, ainda que não seja claro o tipo. Alex, nasce geneticamente como do sexo feminino (cromossomos XX)  embora apresente o órgão sexual masculino. Ao logo do seu crescimento passa a tomar corticoides para evitar o aparecimento de características secundárias masculinas, como barba. 

Na maioria dos casos de hermafroditismo, ainda quando criança,  os pais optam pela permanência de um dos sexos, sendo, portanto, realizadas cirurgias corretivas  afim de obter um ideal de corpo. No caso de Alex, essa escolha dos pais, ainda na infância, não ocorre, pois acreditam que somente Alex poderia vir a escolher o que quer ser.

O hermafroditismo nos remete várias questões importantes, das quais pretendo pontuar algumas, para que possamos minimamente refleti-las, sem que para isso seja necessárias respostas prontas e acabadas, visto que se trata de um fenômeno pouco comum e que nos permite diversas interrogações.

Para a psicanálise, pensar  o  sujeito  como  homem  ou  mulher  é  pensar  uma diferenciação  no  real  do  corpo,  a  partir  das  características  sexuais  anatômicas,  carregada  de valores atribuídos pela cultura, que se vinculam apenas nos aspectos biológicos.  

Em geral, o senso comum assevera que a identidade sexual, advinda das características sexuais  anatômicas,  e  a  sua  posição  de  gênero  deverão  coincidir  sempre,  ou  seja,  que  a anatomia seria algo definidor no destino das identidades sexuais. No entanto, para psicanálise, o  conceito  de  masculinidade  e  feminilidade  vai  além  do  que  é  atribuído  pela  ciência  de fenótipo  e  genótipo,  ou  seja,  ultrapassa  ao  que  é  fisicamente  percebido,  uma  vez  que  a sexualidade, para Freud (1905), não se limita à função dos órgãos genitais. 

No caso de Alex fica algumas interrogações: seria uma mulher com o corpo de um homem, ou um homem com o corpo de mulher? uma mulher com corpo de homem que deseja homens ou um homem com corpo de mulher que deseja mulheres? ou ainda, uma mulher com corpo de homem que deseja mulheres ou um homem com corpo de mulher que deseja homens?
Parece confuso, não?! São diversas as combinações possíveis, como sugere Maria Rita Kehl, no seu livro Deslocamentos do feminino: “podemos falar em homens-homossexuais-femininos, ou em mulheres masculinas, porém heterossexuais, dentre outras."

No entanto, o que me parece mais confuso, no caso de Alex, é a falta de definição primeiramente anatômica, daquilo que gostaria de ser, e que acredito gerar conflitos no que diz respeito a sua identidade sexual. No decorrer do filme, Alex, opta por não mais tomar a medicação que inibe o aflorar das caracteristicas sexuais masculinas, sugerindo, assim, que sua escolha é feita no sentido da permanecia do órgão sexual que já tem, o pênis. 

Alex passaria, portanto, a ser definitivamente um homem? Se pensarmos em termos psicanalíticos, sim! Mas o que se deve deixar claro é que apesar da sua escolha, Alex não necessariamente seria um homem masculino, ainda que no senso comum se espere que se a pessoa nasce homem ou mulher ela assuma uma posição masculina ou feminina, respectivamente. Dessa forma cai por terra a ideia do masculino ou do feminino como essência.

Para a psicanálise, é somente ao entendermos o percurso do drama edípico, logo do Complexo de Castração, que seria possível entendermos a posição do sujeito no que diz respeito ao campo da sexualidade, logo, da sua identidade de gênero. Vale ressaltar que se Alex tivesse optado por uma castração no real do corpo, e a permanência dos caracteres sexuais femininos, em nada mudaria a sua posição masculina ou feminina, pois, a castração do qual Freud nos fala caracteriza-se como uma experiência psíquica vivida de forma inconsciente pela criança e que será fundamental na constituição e sexuação do sujeito.

É interessante perceber, que o nome dado pelos pais à criança, sugere uma ambivalência, visto que trata-se de um nome que se encaixaria tanto para um garotinho quanto para uma garotinha. No caso do filme, os pais não reconhecem nem nomeiam a criança como sendo do sexo masculino ou feminino, deixando tal escolha para a própria, o que me parece dificultar bastante uma identificação com umas dessas posições. Alex não sabe se é homem ou mulher, nem se deseja meninos ou meninas. Alex opta por permanecer com o órgão genital masculino, o que não lhe confere, entretanto, uma identificação com o masculino.

É difícil somente com uma análise fílmica, afirmar qualquer coisa. No entanto, me parece que a falta de uma investimento narcísico dos pais ao corpo de Alex, impossibilitou uma identificação com qualquer uma das posições, não conseguindo assim representar seu corpo, logo sua identidade sexual. Segundo Lacan (1957-1958) "o ato de nomear do Outro é uma proibição que permite uma perda a qual destrói uma imagem", possibilitando o contorno do corpo. O que no caso de Alex não ocorre.

Por Suiá Freitas de Queiroz  






Marquês de Sade
Contos Proibidos do Marquês de Sade


Quem nunca ouviu falar em sadismo? 
O filme, Contos Proibidos do Marquês de Sade (2000), do diretor Philip Kaufman, trata da história do escritor e filósofo francês Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, do qual é derivado o termo sadismo, muito utilizado para designar o prazer ou excitação gerados pelo sofrimento ou dor alheia. 

O filme retrata, sobretudo, a forma escandalizante com que o escritor apresenta suas obras, no momento histórico conturbado da Revolução Francesa (época em que a sodomia era crime na França), carregadas de "atos sexuais brutais e cruéis, descritos de forma primorosa e poética", muitas dessas ele próprio estava envolvido, sendo um dos motivos de sua prisão, lugar em que produziu grande parte de suas obras. O Marquês influenciou grandes artistas, escritores, cineastas, devido suas ideias originais carregas de desejos pervertidos. 

Sade possibilitou o advento de novas ideias, principalmente no que tange a sexualidade, corroborando para diversas reações sobre a temática. Algumas feministas da época "repudiavam com veemência a visão que o escritor tinha das mulheres, outras, elogiam sua obra, que segundo elas aborda a liberdade sexual de ambos os sexos, ao se recusar classificar as mulheres apenas como máquinas reprodutoras e lhes dá a liberdade de se tornarem seres sexuais", lançando, assim, a hipótese de que "o escritor tratava a sexualidade como uma realidade política".(Welldon)

Segundo o DSM-IV, o sadismo se configura como "uma atividade em geral sexual que visa provocar dor em outras pessoas e dar satisfação sexual àquela que inflige a dor". Para a psicanálise a perversão diz respeito a uma atitude sexual, o que não significa uma atitude genital, logo, os atos pervertidos não necessariamente estão ligados ao ato sexual propriamente dito. Devemos levar em consideração que, para Freud, a sexualidade humana já teria uma predisposição a perversão, o que chamamos, ainda na infância, de perverso polimorfo (que extrai prazer de diversas áreas do corpo).

"Nos Três ensaios, Freud fez da neurose “o negativo da perversão”. Com isso sublinhou o caráter selvagem, bárbaro, polimorfo e pulsional da sexualidade perversa: uma sexualidade infantil em estado bruto, cuja libido se restringe à pulsão parcial. Ao contrário da sexualidade dos neuróticos, essa sexualidade perversa não conhece nem a proibição do incesto, nem o recalque, nem a sublimação" (Roudinesco).


Posteriormente, Freud, repensa a perversão retirando-a do campo das perversões sexuais. Ao teorizar mais profundamente sobre tal mecanismo, chega a conclusão que a perversão já não seria mais apenas referente a uma predisposição da sexualidade polimorfa infantil da sexualidade,  mas o resultado de como o sujeito se posiciona diante da experiencia de confrontação da diferença sexual. Assim, a perversão, para a psicanálise não dispõe de uma conotação perjorativa, como se percebe no senso comum, carregada de juízo moral, ainda que "os comportamentos, as práticas e até as fantasias que o termo engloba só possam ser apreendidos em relação a uma norma social que, por sua vez, induz a uma norma jurídica" (Roudinesco).

Falar de perversão em termos psicanalíticos dá "pano pra manga", por isso, aos que se interessam pelo tema, retornarei com muitos outros filmes que tratam da temática, que sem dúvida é instigante! rs!

Por Suiá Freitas de Queiroz


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Rapa Nui
Rapa Nui - Uma aventura no paraíso




      O filme Rapa Nui (1994), do Diretor Kevin Reynolds, faz uma leitura a respeito da vida dos povos que habitaram a Ilha de Páscoa num período anterior à chegada dos europeus, em 1680. Neste período duas classes dividiam a população da Ilha: os Orelhas Longas e os Orelhas Curtas, onde os segundos eram considerados “inferiores” aos primeiros, tendo que servi-los de todas as maneiras, uma vez que era da classe dos Orelhas Longas o grande rei, o chamado Homem-pássaro, que tinha poder e regalias sobre os demais clãs.

 A disputa pelo “título” de Homem-pássaro era realizada por meio de diversas provas, que incluíam: descidas de penhascos, nado exaustivo num mar repleto de tubarões até uma ilhota, onde eles deveriam pegar um ovo de uma espécie de pássaro. Quem primeiro retornasse, com o ovo do pássaro intacto, seria reconhecido como "Homem-pássaro, recebendo tais regalias e o reconhecimento do deus Hotu-Matua, um dos protetores da ilha.

 Na obra freudiana o totemismo, da época primitiva, é comparado às instituições sociais e religiosas de hoje, onde o totem denomina cada clã ou grupo menor, e cada classe (Orelhas Longas e Curtas) é subdividida por clãs denominada a partir do seu totem.

 Segundo Freud, o totem “via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã. Sendo considerado o guardião do clã , “que embora perigoso aos outros, reconhece e poupa os seus filhos”, sendo estes, na obrigação sagrada, proibidos de matar ou comer seu totem.

 Na película, podemos analisar os deuses tão temíveis, representados pelas estátuas, Moais, como totem, aquele de quem tudo depende: a boa colheita, o “paraíso”, ou salvação, etc.

 Em Totem e Tabu, Freud vai nos apresentar uma característica fundamental do sistema totêmico, que foi o que mais o atraiu para pensar questões ligadas à psicanálise, trata-se da exogamia, proibição (tabu) de relações sexuais com membros do mesmo clã, ou mesmo totem, conseqüentemente do seu casamento, ou seja, da proibição do incesto, que na psicanálise é muito trabalhada na teoria do Complexo de Édipo, em que o primeiro objeto de amor da criança é a mãe (relação incestuosa).

 No filme, é considerado um tabu a relação sexual, logo o casamento, entre membros de classes diferentes (Orelhas Longas e Curtas), assim por se tratar de um tabu, que segundo Freud significa, por um lado, sagrado, consagrado, e, por outro, misterioso, perigoso, proibido, impuro (...) e que não têm fundamento e são de origem desconhecida, mas que para aqueles que por eles são dominados são aceitos como coisa natural”, sua violação precisa ser vingada, uma vez que ao ser transgredido qualquer uma das proibições o transgressor passa a ser também considerado impuro, proibido, pois coloca os demais membros do grupo na condição de tentados a transgredi-los também.

 Em Rapa Nui, o personagem principal, Noroinia, ao desejar casar-se com Ramana, membro de uma outra classe, estaria provocando os deuses, considerado um tabu, devendo competir pelo Homem-pássaro e ganhar a competição, pois só assim os deuses se acalmariam.

 Assim, competir pelo Homem-pássaro pode ser considerada uma forma de reparar a violação do tabu, pois como cita Freud: “algumas proibições tabu podem ser substituídas da mesma maneira ou, antes, sua violação pode ser reparada por uma cerimônia”.

 No filme, alguns outros tabus são apresentados, bem como na cena em que dois membros da classe Orelhas Curtas são pegues com pescado, que, no entanto, deve ser do Homem-pássaro Ariki-Man para benefícios de todos. A violação de tal tabu é bem conhecida por todos, o que fica claro na fala dos personagens: “jamais comeríamos um tabu, poderíamos morrer”. O que finda por acontecer, são mortos por tupã.



Freud nos traz também que, "uma pessoa que não tenha violado nenhum tabu pode todavia ser permanente ou temporariamente tabu por se encontrar num estado que possui a qualidade de provocar desejos proibidos em outros e de despertar neles um conflito de ambivalência. A maioria das posições excepcionais e dos estados excepcionais são dessa espécie e possuem esse perigoso poder. O rei ou chefe desperta inveja por causa de seus privilégios."

    Nesse contexto, podemos pensar a ameaça dos Orelhas Curtas em não mais fazer as estátuas, Moais, bem como suas reivindicações por parte da colheita, da madeira e pelo “direito” de competir pelo Homem-pássaro, como um tabu que foi quebrado a partir do momento que foi despertado nos membros dessa classe uma inveja da posição privilegiada dos membros da outra classe (Orelhas Longas).

     O autor ressalta que a violação de certos tabus deve ser punido, visto que se apresenta como um perigo social, que reside no risco da imitação que poderia levar à dissolução da comunidade, o que nos fica muito claro no filme com a “guerra” entre as duas classes, em que a classe discriminada revolta-se contra a classe do “rei”, constatando a idéia trazida por Freud de que “o tabu de um rei é forte demais para um dos seus súditos porque a diferença social entre eles é muito grande”.
No final do filme ao ser retratado na película a devoração do pai e a destruição da figura totêmica, colocando fim a horda patriarcal e por fim a colonização da Ilha, percebemos claramente o que foi tratado por Freud como “as mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus que são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto”, pois só assim seria possível a preservação da vida em grupo.
           
por Suiá Freitas de Queiroz.








Sonata de Outono
Sonata de Outono





Sonata de Outono, filme de 1978 do diretor sueco Ingmar Bergman, retrata, através da experiência cinematográfica, a relação conflituosa entre mãe e filha, tema aparentemente redundante, que, no entanto, de tão familiar, provoca um incomodo difícil de descrever. Análogo a uma sessão de análise, “Sonata de Outono”, aponta tanto seus personagens como seus espectadores diante de um estranho desconforto, que como sugere Freud (1919, p.238), “é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito 
familiar.” 
Trata-se de um drama psicológico, de sensibilidade aguçada, sendo os seus diálogos carregados de poesia e simbolismos. Sonata de Outono traz o componente feminino, retratado pelas figuras da mãe, Charlotte, e da filha, Eva, como predominante, assim como da relação dolorosa e devastadora entre mãe e filha que está muito além de uma relação de cunho familiar, mas que se trata, sobretudo, de uma relação entre duas mulheres.  

Charlotte, uma mulher que se consagrou como pianista e que para alcançar tal objetivo fez-se ausente na sua função familiar tanto como esposa quanto como mãe. Uma artista completa e uma mãe faltosa caracterizam a personagem de Ingrid Bergman. Eva, protagonizada por Liv Ullman, uma mulher de aparência e gestos infantis, de olhar melancólico carregados de mágoas há muito guardadas de uma infância marcada por um amor incondicional e um ódio igualmente grande por sua mãe. É, portanto, sobre a intensidade do amor e ódio sem limites entre mãe e filha, que trata o filme de Ingmar Bergman.

O enigma sugerido por Eva e revelado por seu marido, logo no início do filme, ao ler um trecho do livro escrito pela esposa:  “Meu maior  obstáculo é não saber quem sou..."aponta o enigma sugerido por Freud referente ao não-saber histérico e  à  dificuldade de definição clara da mulher a sua identidade feminina, ou seja, da ausência de algo que lhe diga o que é ser uma mulher, além de anunciar a ausência de lugar diante do desejo do Outro, no caso, do desejo materno, uma vez que o filme se inicia com o endereçamento da filha Eva à mãe Charlotte, em forma de carta, numa suplência ao seu retorno, após sete anos de separação.
Após várias tentativas frustradas de sensibilizar e se mostrar merecedora do amor de Charlotte, que de tão superficial necessita o tempo todo ser reafirmado, como a si mesma, Eva a  acusa de tê-la deixado, assim como sua irmã Helena, completamente desamparadas quando ainda criança, dando início ao acerto de contas entre mãe e filha.
O que se percebe, em Sonata de Outono, é uma ambivalência na relação mãe e filha, que como sugere Freud (1931),é a regra nas primeiras fases da vida erótica, ainda que “poucas são as pessoas que não retêm esse traço arcaico durante toda a vida”, além da dificuldade sentida pela filha em separar-se da mãe,  ainda que seja um aspecto considerado crucial para o desenvolvimento da sexualidade de uma mulher.

A fase de ligação ou amor exclusiva da filha à mãe, chamada de fase pré-edipiana, tem para as mulheres uma grande importância, uma vez que é na relação com a mãe que a menina poderá encontrar uma identificação feminina, pois “é por poder viver-se mãe e mulher, sem abdicar de nenhum desses aspectos, pelos quais constitui sua feminilidade, que a filha pode encontrar um apoio para formar-se a sua feminilidade, distinta da de sua mãe” (ZALCBERG,2003).

Quanto à escolha de Eva por um marido que nunca amou e que nunca teria capacidade de amar, mas que sempre esteve ao seu lado na espera de ser minimamente correspondido, reflete a escolha de Eva por um homem ao modelo do pai, repetindo nessa relação o que era vivido pela mãe na relação conjugal.

Cabe considerar que “a  função paterna é aquela que destitui a criança da suficiência em que acreditava estar em relação à mãe e a confronta com a insuficiência  de seu ser” (VIVIANI, p.7). Dessa forma, havendo uma intervenção efetiva do pai, há uma eficácia da função paterna, esta eficácia é um corte na relação mãe e filha. No entanto, é o desejo da mãe que permite que o pai faça esse corte, que o reconheça como a lei, passando agora a ser ele o falo da mãe. De outra sorte, a forma com que o pai de Eva é apresentado no filme, como um homem submisso, que juntamente com a filha compartilhava a solidão da ausência de Charlotte, uma falta que não era só física, mas principalmente de afeto e que em nenhum momento a coloca como sendo objeto causa do seu desejo, contribui para sustentar a posição da mãe para a filha como toda fálica, assim, a falha na intervenção do pai nessa relação resulta na insuficiência de atribuir a Eva seu lugar de mulher. ressalta-se que para Freud (1931), a relação da menina com o pai não faz desaparecer a relação primária com a mãe, e o que se percebe em Sonata de Outono, é um grande afeto entre pai e filha, que se caracteriza muito mais por uma cumplicidade à ausência da figura da mãe e esposa,do que um direcionamento ao pai como substituição ao amor da mãe como objeto.  No entanto, seria essa substituição que permitiria a mulher encontrar o caminho para a feminilidade, ao trocar de objeto de amor, aceitando a castração e abdicando do objeto desejado – pênis – pelo desejo de um filho.

Nesses termos, a menina ao tentar tornar-se objeto de gozo materno, deixa suspenso o seu próprio  desejo. Eva ao colocar-se como objeto de satisfação de Charlotte, apresenta dificuldade em renunciar a esse lugar de gozo.

Diferentemente da alienação, que se apresenta como relação fundamental para o surgimento do sujeito, sendo, portanto, muito necessária, a separação não é o destino, pois, requer um querer, depende da ação do sujeito. A separação implica “uma vontade de sair, uma vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa dizer, para além daquilo inscrito no Outro” (SOLER, 1997). Portanto, “se o ressentimento de uma filha em relação à mãe a ajuda a separar-se da mesma, trata-se de um sentimento que precisa, como toda paixão, ser permanentemente reeditado” (ZALCBERG, 2003).

por  Suiá Freitas de Queiroz
                                         

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Nesse blog pretendo debater a teoria psicanalítica a partir de análise fílmicas, disponibilizando, a cada debate, o filme analisado para aqueles que, como eu, adoram cinema...e claro, psicanálise! Fiquem à vontade!