Precisamos falar sobre o Kevin
O filme é baseado no livro, de mesmo nome, da escritora Lionel Shriver, o qual foi inspirado no estudo de diversos casos de assassinatos em massa cometidos por adolescentes em escolas.
O interessante do filme e que o torna, a cada cena, mais instigante é a forma com que é apresentado, pela personagem principal, a mãe, a sua relação com o filho. Como que num retorno ao passado, Eva nos permite entrar no seu íntimo, revelando, de forma crua e sincera, os seus piores sentimentos sobre o casamento, o drama da maternidade e todo o percurso da sua relação com Kevin, desde a infância até o ocorrido final.
Pra quem curte um filme com cenas fortes, mas que não foge em nada ao que é humano, demasiadamente humano, se me permitem plagiar Nietzsche, essa é a escolha certa!
Para ilustar: uma das cenas mais incríveis do filme, em que Eva, em um passeio com Kevin, ainda bebê, já não aguentando mais ouvir o choro do filho, pára no meio da rua, em uma construção, e prazerosamente se coloca ao lado de uma britadeira que a impedem de ouvir o filho chorando.
Voltando...
Ao assistir o filme fiquei pensando sobre aquilo que Freud nos fala sobre a maternidade, como a única saída da mulher para a verdadeira feminilidade. Na feminilidade, "a mulher não tem o falo, ela se oferece para ser tomada como falo a partir de um lugar de falta absoluta, do qual só o desejo de um homem pode resgatá-la” (KEHL), que nos escritos de Freud só será definitivamente possível se ligado ao ideal da maternidade, o que leva, na contemporaneidade, à seguinte reflexão: Caberia ainda pensar a feminilidade pelo viés freudiano da maternidade?
Com certeza não! Se assim fosse cairíamos na discussão da maternidade como essência, o que não cabe, nos dias de hoje, tal pensamento.
Pra mim, é prioritariamente sobre isso que o filme trata, sobre o tornar-se mãe, ou melhor, sobre o desejo ou a falta dele de tornar-se mãe e suas possíveis consequências.
No caso de Eva, fica muito claro, nas cenas que se apresentam, o seu total desconforto ao tornar-se mãe, muito mais do que o peso real, físico, da gravidez, trata-se, sobretudo, de um peso de identificação, que não se encaixa em Eva. Assim, não adianta livros, manuais, que lhe diga o que é ser mãe, ou melhor, como ser uma boa mãe!
Sabemos, sobre o olhar psicanalítico a importância da relação mãe-filho para a constituição do sujeito, logo das relações que este irá estabelecer com o mundo. No caso de Kevin, uma relação devastadora e um mundo devastado.
Para a psicanálise o filho deve ocupar um lugar de objeto fálico, um lugar privilegiado na fantasia dos pais, um lugar que deve estar relacionado ao desejo, que claramente falta à Eva.
No caso de Kevin, a falta da ilusão de preencher a mãe, acaba por colocá-lo num "eterno" direcionamento a esta, que no filme se apresente em forma de atos violentos, que evoluem desde a infância até a adolescência, em que comete um crime, matando diversas pessoas na escola, além do pai e da irmã, os grandes amores da mãe.
Segundo, Benhaim, "há elementos do psiquismo que somente a mãe pode trazer: é o que pode ser analisado na questão relativa à psicopatologia da delinqüência. Aquela que vem em socorro do bebê em desamparo é a “mãe simbólica”, a que dá a primeira mamada, o objeto real, o leite: nesse primeiro tempo é que se inscreveria a falha que o ato delinqüente viria a preencher" (...) "Essas passagens ao ato muitas vezes conduzem ao sentimento de ameaça, podendo até mesmo destruir o laço, mas parecem também ser a última tentativa de resolução da angústia ligada a este impossível do laço".
No caso do filme acredito se tratar muito mais desse impossível de laço, que falta na relação mãe e filho.
E por aí vai...
Assistam!
Por Suiá Freitas de Queiroz