Rapa Nui
Rapa Nui - Uma aventura no paraíso




      O filme Rapa Nui (1994), do Diretor Kevin Reynolds, faz uma leitura a respeito da vida dos povos que habitaram a Ilha de Páscoa num período anterior à chegada dos europeus, em 1680. Neste período duas classes dividiam a população da Ilha: os Orelhas Longas e os Orelhas Curtas, onde os segundos eram considerados “inferiores” aos primeiros, tendo que servi-los de todas as maneiras, uma vez que era da classe dos Orelhas Longas o grande rei, o chamado Homem-pássaro, que tinha poder e regalias sobre os demais clãs.

 A disputa pelo “título” de Homem-pássaro era realizada por meio de diversas provas, que incluíam: descidas de penhascos, nado exaustivo num mar repleto de tubarões até uma ilhota, onde eles deveriam pegar um ovo de uma espécie de pássaro. Quem primeiro retornasse, com o ovo do pássaro intacto, seria reconhecido como "Homem-pássaro, recebendo tais regalias e o reconhecimento do deus Hotu-Matua, um dos protetores da ilha.

 Na obra freudiana o totemismo, da época primitiva, é comparado às instituições sociais e religiosas de hoje, onde o totem denomina cada clã ou grupo menor, e cada classe (Orelhas Longas e Curtas) é subdividida por clãs denominada a partir do seu totem.

 Segundo Freud, o totem “via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã. Sendo considerado o guardião do clã , “que embora perigoso aos outros, reconhece e poupa os seus filhos”, sendo estes, na obrigação sagrada, proibidos de matar ou comer seu totem.

 Na película, podemos analisar os deuses tão temíveis, representados pelas estátuas, Moais, como totem, aquele de quem tudo depende: a boa colheita, o “paraíso”, ou salvação, etc.

 Em Totem e Tabu, Freud vai nos apresentar uma característica fundamental do sistema totêmico, que foi o que mais o atraiu para pensar questões ligadas à psicanálise, trata-se da exogamia, proibição (tabu) de relações sexuais com membros do mesmo clã, ou mesmo totem, conseqüentemente do seu casamento, ou seja, da proibição do incesto, que na psicanálise é muito trabalhada na teoria do Complexo de Édipo, em que o primeiro objeto de amor da criança é a mãe (relação incestuosa).

 No filme, é considerado um tabu a relação sexual, logo o casamento, entre membros de classes diferentes (Orelhas Longas e Curtas), assim por se tratar de um tabu, que segundo Freud significa, por um lado, sagrado, consagrado, e, por outro, misterioso, perigoso, proibido, impuro (...) e que não têm fundamento e são de origem desconhecida, mas que para aqueles que por eles são dominados são aceitos como coisa natural”, sua violação precisa ser vingada, uma vez que ao ser transgredido qualquer uma das proibições o transgressor passa a ser também considerado impuro, proibido, pois coloca os demais membros do grupo na condição de tentados a transgredi-los também.

 Em Rapa Nui, o personagem principal, Noroinia, ao desejar casar-se com Ramana, membro de uma outra classe, estaria provocando os deuses, considerado um tabu, devendo competir pelo Homem-pássaro e ganhar a competição, pois só assim os deuses se acalmariam.

 Assim, competir pelo Homem-pássaro pode ser considerada uma forma de reparar a violação do tabu, pois como cita Freud: “algumas proibições tabu podem ser substituídas da mesma maneira ou, antes, sua violação pode ser reparada por uma cerimônia”.

 No filme, alguns outros tabus são apresentados, bem como na cena em que dois membros da classe Orelhas Curtas são pegues com pescado, que, no entanto, deve ser do Homem-pássaro Ariki-Man para benefícios de todos. A violação de tal tabu é bem conhecida por todos, o que fica claro na fala dos personagens: “jamais comeríamos um tabu, poderíamos morrer”. O que finda por acontecer, são mortos por tupã.



Freud nos traz também que, "uma pessoa que não tenha violado nenhum tabu pode todavia ser permanente ou temporariamente tabu por se encontrar num estado que possui a qualidade de provocar desejos proibidos em outros e de despertar neles um conflito de ambivalência. A maioria das posições excepcionais e dos estados excepcionais são dessa espécie e possuem esse perigoso poder. O rei ou chefe desperta inveja por causa de seus privilégios."

    Nesse contexto, podemos pensar a ameaça dos Orelhas Curtas em não mais fazer as estátuas, Moais, bem como suas reivindicações por parte da colheita, da madeira e pelo “direito” de competir pelo Homem-pássaro, como um tabu que foi quebrado a partir do momento que foi despertado nos membros dessa classe uma inveja da posição privilegiada dos membros da outra classe (Orelhas Longas).

     O autor ressalta que a violação de certos tabus deve ser punido, visto que se apresenta como um perigo social, que reside no risco da imitação que poderia levar à dissolução da comunidade, o que nos fica muito claro no filme com a “guerra” entre as duas classes, em que a classe discriminada revolta-se contra a classe do “rei”, constatando a idéia trazida por Freud de que “o tabu de um rei é forte demais para um dos seus súditos porque a diferença social entre eles é muito grande”.
No final do filme ao ser retratado na película a devoração do pai e a destruição da figura totêmica, colocando fim a horda patriarcal e por fim a colonização da Ilha, percebemos claramente o que foi tratado por Freud como “as mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus que são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto”, pois só assim seria possível a preservação da vida em grupo.
           
por Suiá Freitas de Queiroz.








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